Desigualdades

Editada por Maria Brant, jornalista, mestre em direitos humanos pela LSE e doutora em relações internacionais pela USP, e por Renata Boulos, coordenadora-executiva da rede ABCD (Ação Brasileira de Combate às Desigualdades), a coluna examina as várias desigualdades que afetam o Brasil e as políticas que as fazem persistir

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Descrição de chapéu
Isac Falcão

IR dos bilionários: o buraco das finanças públicas é mais em cima

Congresso precisa reduzir deduções permitidas e Receita deve reprimir o planejamento tributário abusivo

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Isac Falcão

Auditor fiscal, é presidente do Sindifisco Nacional

Durante encontro do G20 em fevereiro de 2024, o ministro Fernando Haddad propôs a adoção de medida elaborada pelo Observatório Tributário da União Europeia para criar um limite mínimo para o imposto de renda dos bilionários: que passem a pagar, anualmente, no mínimo, o equivalente a 2% de suas fortunas, com o objetivo de financiar o enfrentamento da crise climática e reduzir as desigualdades. A proposta recebeu adesão da União Africana e de países como França, Espanha, Colômbia e Bélgica. Diante dos desafios globais que enfrentamos, a ideia é pertinente e necessária, esperemos que vá em frente.

Sabemos que multinacionais e super-ricos pagam pouco tributo em relação à sua capacidade contributiva, e não são de agora as tentativas de chamá-los à responsabilidade. Em 2021, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico propôs, e 140 países concordaram, com o estabelecimento de uma alíquota mínima de 15% de imposto sobre os lucros das empresas multinacionais (o chamado "pilar 2 da OCDE"). No entanto, sua implementação frustrou as expectativas devido a "brechas" que, na prática, permitiram a continuidade do planejamento tributário abusivo. Não é simples, em qualquer parte do mundo, fazer com que esse diminuto público contribua.

Receita Federal
Fachada do prédio da Superintendência da Receita Federal em Brasília (DF) - Antonio Molina/Folhapress/Folhapress

No caso do Brasil, embora a soma das alíquotas nominais máximas dos tributos sobre a renda das pessoas jurídicas seja de 34%, a alíquota efetiva paga pelas maiores empresas, frequentemente, é inferior aos 15% do lucro societário. As possibilidades de deduções criadas na legislação são o principal problema, não só porque reduzem o tributo, mas também por serem utilizadas de maneira abusiva, por meio de interpretações distorcidas. Torna-se fundamental que o Congresso Nacional, na segunda fase da reforma tributária, reduza as deduções permitidas e que a Receita Federal reprima o planejamento tributário abusivo.

O exemplo do pilar 2 da OCDE mostra que há que se cuidar para que os efeitos desejados não se percam na implementação. Na proposta ao G20, o mínimo estabelecido para o imposto sobre a renda dos bilionários seria um percentual do seu patrimônio. Surge um novo problema: a aferição do patrimônio. Os desafios são semelhantes aos da aferição da renda: a possível criação legislativa de deduções, que acabam por se constituir em brechas legais, usadas tanto de acordo com a legislação, como eventualmente contra. Novamente, questões a serem enfrentadas, respectivamente, pelo Congresso Nacional e pela Receita Federal.

A resposta a esse problema complexo não se restringe a uma frente de atuação. É importante ter coordenação internacional para reduzir os incentivos à movimentação de riquezas, mobilização da sociedade civil para evitar a adição de exceções durante o processo legislativo, definição cuidadosa dos institutos jurídicos necessários para essas novas imposições tributárias, além de se constituir uma máquina suficiente para fazer cumprir a legislação.

Sobre a definição dos institutos jurídicos necessários, em 2020, buscamos contribuir para a elaboração de medidas antielisivas para aferição do patrimônio no projeto Tributar Super-Ricos, realizado pelo Instituto Justiça Fiscal, Anfip, Fenafisco e delegacias do Sindifisco Nacional. No estudo, que propõe a instituição do Imposto Sobre Grandes Fortunas, foram desenhados dispositivos para fechar brechas comumente utilizadas em planejamentos tributários abusivos. Esses parâmetros podem ser úteis para dar efetividade à proposta de estabelecimento de um mínimo de imposto de renda baseado no patrimônio.

Mas a legislação não se faz valer sozinha. A Receita Federal precisa ampliar e estruturar sua área especializada para fazer com que nossos 69 bilionários, que acumulam, segundo a revista Forbes, R$ 1,1 trilhão, paguem tributos. O dimensionamento e a priorização dessa estrutura irão definir a efetividade de qualquer legislação que se dirija a esse fim. Uma oportunidade para isso é a minuta de regimento interno da Receita Federal que está em discussão. Não é simples tributar essa ínfima fatia da população, mas trata-se de empreitada necessária para a construção de um mundo melhor para todos.

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